
Um homem, funcionário público, fidalgo, bem-pensante, arrogante, sumamente pobre, orgulhoso membro das classes altas da sociedade russa de meados do século XIX, redige, à luz da vela, o seu diário, traduzindo, em palavra escrita, os assombros, frustrações, medos e amores que, à clara luz do dia, não ousaria jamais enunciar.
Numa viagem tortuosa, cómica e patética, este homem, a cada parágrafo mais perto da vertigem delirante e abandonada, lega ao papel (e ao público) o único tesouro que possui: a sua imensa e inconformada imaginação. Indomável vontade de se ser mais do que se é, de se ter mais do que se tem e de se aspirar, sempre, àquela derradeira paixão que todos, de uma forma ou outra, partilhamos: o desejo de se ser compreendido. Louco, sim, como Gogol o descreve no título. Mas também lírico, sensível, apaixonado, herói tragicómico de uma sociedade envernizada e corrupta, vítima impotente dos seus superiores, capataz empedernido dos seus inferiores, um homem, enfim, do seu tempo. Mas também de todos os tempos e, definitivamente, deste nosso tempo. Substituam-se os nomes das ruas, os cortes das casacas e os títulos dos oficiais e este é um diário que nos assenta como uma luva…
Numa proposta teatral agreste, onde a liberdade criativa do actor respira no espaço vazio, minimalista, da cena, é na estreita relação entre o corpo enunciador do intérprete e o público que este espectáculo se edifica. Não há aqui voyeurs passivos e protegidos por uma imaginária quarta parede. O público é o papel onde o nosso louco irá escrever o seu diário. Mais do que testemunhas ou juízes, os espectadores são amigos, são o último refúgio de uma alma em sobressalto permanente…
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“Diário de um Louco”, de Nicolai Gogol
Ideia original , tradução (a partir da versão inglesa de Claud Field)
e Interpretação: Pedro Galiza
Encenação: Giselle Stanzione
Assistência de encenação: Inês Simões Pereira
Espaço cénico , design de luz e figurinos: Pedro Morim
Banda Sonora: Mikhail Glinka, Sergei Rachmaninoff,
Franz Liszt, Mily Balakirev e Modest Mussorgsky
Design gráfico: Adriana Leites
Fotografia e motion design: Nuno Leites
Produção: Grua Crua
Abril, 2018 · Casa das Artes de Famalicão
Julho, 2017 · Festival SET, Porto
Abril, 2016 · Sala de Bolso da Assédio Teatro, Porto
Novembro, 2015 · FIS · Festival Internacional de Solos, Póvoa de Varzim
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